domingo, 5 de abril de 2009

MEMORIAL

Descobrir-me leitora e produtora assim...

A mesa retangular ao centro e a sua volta os bancos de madeira, aos meus olhos, de menina, grandes, imensos, me distanciavam da professora, digo, Dona Edite! Ainda posso senti o pavor provocado por suas auxiliares: a palmatória e a régua, e ela sempre imponente sentada à cabeceira da mesa a nos olhar, ou seria vigiar, enquanto tomava-nos a leitura ou passava caderno a caderno as atividades que levaríamos para casa. Naquele tempo aprendíamos a ler tendo por livro o “ABC”, recordo-me do pedaço de papel com furo no meio para leitura do alfabeto, é que tínhamos que sabê-lo salteado (de frente pra traz e de traz pra frente); a nossa volta o quintal cheio de plantas, no qual não podíamos brincar, na lateral o beco de acesso a rua e ali, logo ao lado, o tão sonhado grupo escolar.

Pequena, não entendia porquê não podíamos estudar no Grupo Escolar, lá sim tinha muito espaço...

Hoje depois de algum conhecimento adquirido, sei que minha alfabetizadora seguia a linha tradicionalista. Repetíamos calorosamente o b com a, ba; b com e, be; b com i, bi; b com o, bo; b com u, bu; passávamos do ABC para as Cartilhas com os tão falados textos: “Vovô viu a uva”, e assim íamos aprendendo a decodificar e codificar o mundo escrito, repetindo veementemente tudo o que víamos e ouvíamos.

Não sei em que momento, comecei a compreender o que lia e escrevia. Recordo-me que mudei de escola, esta sim poderia ser considerada uma “escolinha”, nesta aprendi a cantar, a brincar e vagamente me lembro que ouvíamos histórias, inclusive recordo que em meio à lista de materiais constava o pedido de um livro, o nome? Não lembro. Tem tanto tempo... Engraçado que ainda hoje canto para meus alunos e sobrinha músicas que aprendi nesta fase. A memória humana é mesmo um prodígio!

Tempos depois fui para o Grupo Escolar... Que sonho!

As turmas sempre muito cheias. Lembro-me de um colega chamado Wasghinton que distoava dos demais por já ter seus 14 anos, enquanto nós tínhamos, na maioria 9 e cursávamos a 2ª série. Minha professora se chamava Paula, era muito bonita, lembro-me dos seus cabelos louros bem ralinhos e da pele clara, muito clara... ao termino do ano, muito decepcionada com o resultado da turma, disse que preferia trabalhar com os pequenininhos e como no ano seguinte abriria o pré-escolar na escola, ela decidiu que nunca mais trabalharia com alunos de nossa idade, e assim foi.

Não me lembro de como trabalhávamos a questão da produção de texto, mas hoje como professora, sinto o mesmo sentimento da professora Paula quando ao término de uma produção leio o texto dos alunos e percebo que eles não atingiram os objetivos esperados.

Certo é que minha memória deletou parte do processo de ensino que tive, não lembro como ou quando comecei a escrever, também não lembro de atividades de compreensão textual; de muito remexer no baú da memória lembro que os livros traziam questões de interpretação vagas, do tipo que as respostas estão todas ali, no texto, e em que não precisamos pensar muito pois não nos perguntavam o que pensávamos.

Superado o primário, seguíamos para o ginásio. Uauuuuuuuuu!!! O GI-NÁ-SIO!!!

Os tijolinhos vermelhos da construção do colégio tecnicista eram minha paixão, toda a construção me encantava. As salas amplas, o pátio interno, a quadra, o campo, a lagoa, as salas de jardinagem e técnicas comerciais, a horta e ela, a BI-BLI-O-TE-CA. Penso que definitivamente, me descobri ali. As estantes cobertas de livros para todos os gostos, revistas em quadrinhos, romances, enciclopédias, dicionários. Fechando os olhos ainda sinto o prazer de entrar naquele recinto, lembro-me com carinho da bibliotecária e também do espelho imenso, que tomava toda a parede ao fundo da sala. O mural sempre a destacar o nome daqueles que mais liam durante o mês.

Ao tornar-me sócia da biblioteca, descobri um novo mundo; ainda hoje tenho as fichas com o nome dos livros que li, e, saudosa que sou, adquiro os livros da Coleção Vivi Pimenta de autoria de Ganymédes José; nossa! Que viagem!!! Ria sozinha das aventuras da Vivi e sua turma, e assim de livro em livro, aventurava-me por paises, estados, cidades, mundos diversos e sem perceber contribuía com a formação de uma nova leitora, pois enquanto eu ia para a escola minha irmã mais nova, lia-os também.

Paradidáticos? Não sabíamos que os livros que adotávamos recebiam este nome, mas por unidade tínhamos a tarefa de ler um livro escolhido pela professora e em seguida respondermos à ficha de leitura deles; eu detestava esta parte, mas fazer o que? Ler e responder, caso contrário ficava sem uma das notas. O primeiro foi um sacrifício, mas adquirido o gosto pela leitura eu queria mais, muito mais e sempre recorria à professora de português para que me indicasse outros títulos; assim li entre muitos os clássicos Vidas Secas, O Quinze, Iracema; não porque a professora exigisse, mas porque eu queria.

Mal sabia eu que enquanto lia, aprendia, desenvolvia não só a leitura e a compreensão, mais também contribuía com minha escrita. Nunca fui CDF, não gostava de sentar a frente, tirava poucos dez, mas tinha espírito de liderança; encabeçando as discursões, disputando a liderança da sala e participando do grêmio estudantil, percebo hoje claramente que grande parte disso se deu pelo saudável hábito da leitura.

Escrever naquela época simplificava-se na RE-DA-ÇÃO de inicio de ano contando sobre “As Férias”, nas quais muitas vezes mentia-se por falta do que contar; ou nos temas “Minha Mãe”, “Meu Pai”, “O que vou ser quando crescer”; não me recordo de ter estudado detalhadamente nenhuma tipologia e/ou gênero em específico, não trabalhávamos com jornais, panfletos, memoriais, e as revistas só eram lembradas quando precisávamos fazer alguma pesquisa e/ou recortar gravuras, quando muito para retiramos palavras enquanto estudávamos sobre as classes gramaticais.

Analisando minha trajetória estudantil percebo que nunca tive vontade de exercer o magistério, na verdade fiz o curso porque o destino me impulsionou para ele, mas esta é outra história... Porém sempre acreditei que devemos fazer bem as tarefas a que nos dispuzermos e que a competência para fazer vem com a responsabilidade com que abraçamos as causas em que acreditamos e eu verdadeiramente acredito na educação como ferramenta de mudança, de transformação, melhoria.

Atualmente a preocupação com as leituras que se desenvolve nas escolas é constante, por mais acesso a livros e recursos audiovisuais, por mais que a tecnologia tenha avançado não evoluímos no tocante a cultura do “ler”, nossos jovens em sua grande maioria tem uma enorme “preguiça intelectual”. Não descobriram o prazer de ler, não criamos em nossa sociedade ambientes que propiciem este tão saudável hábito; em comparação com paises europeus em que comum se faz os Cafés Literários, Salas de Leitura, Bibliotecas Públicas, em que ler em Praças Públicas é corriqueiro, nos quais desenvolve-se comumente pesquisas em áreas diversas e estas são divulgadas instantaneamente por jornais, revistas, sites. Ficamos a margem do desenvolvimento cultural e desesperadamente, nós professores, lutamos tentando reverter este quadro.

Outro dia surpreendi-me admirando um rapaz que sentado no chão do final de corredor em uma livraria, deliciava-se lendo uma obra, desejei imensamente ter em mão uma câmera para registrar aquele momento precioso, a cena permanece em minha memória intacta. Em outro episódio lembro-me emocionar quando trabalhando com turmas das séries iniciais uma aluna presenteou sua amiguinha de sala com uma coleção infantil; atos tão banais mas que em nossa sociedade são únicos, inestimáveis.

Hoje a escola corre contra o tempo. Busca-se apresentar o máximo de leituras possíveis e explorar a produção escrita, contudo são raros os trabalho que expressam significado, ainda pagamos um preço muito alto por não dominarmos o mundo gráfico; e continuamos escravos do fantasma da escrita, infelizmente as frases “não sei escrever” ou “ me dá um branco” são comuns aos nossos alunos. E eu me lembro que ainda que não soubéssemos sobre tipologias e gêneros textuais arriscávamos fazendo diários, cadernos de confidências, mandando bilhetinhos de amor, escrevendo poesias para nossos amores impossíveis ou simplesmente fazendo agendas. Nossas produções tinham significado sim, foram importantes, marcaram toda uma geração e ajudou a formar os profissionais que hoje, arriscam-se no mundo das letras, das palavras ao texto, és-me aqui!




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